Dylon Ventura: “Fui visitar as campas do senhor Carlos e da senhora Zaida Chongo”

Por: Dylon Ventura (Soldado Civil)
Acordava, com aquela saudade no meu coração junto com os meus pensamentos, depois de uma noite bem dorminada na companhia do melhor sonho que só este casal me poderia proporcionar. Não que tenha sido propositado, mas senti como se estivesse comigo no quarto a cantar para mim – o fã número um.
Queria, então, sair de casa até ao cemitério para ver de perto e conversar com eles, em voz bem alta, sem vergonha. Não via motivo de me poder esconder ou colocar portagens entre mim e as saudade que tinha por eles. Quem os conheceu, com certeza de que sabe, muito bem, o que estou a falar. O casal era mesmo de ouro.
Então, não perdi mais tempo. Organizei-me para aquela que foi a minha melhor conversa com eles enquanto olhava para aquelas campas brancas, molhando com as minhas lágrimas em cada palavra que tirava da minha boca. Eles ouviam, no fundo daquela sepultura, uma voz de fora que dizia:
– Bom dia, casal de ouro. De certeza que não me conhecem, nunca antes me tenham visto ou talvez me tenha apresentado, mas lembro-me que, quando era ainda criança, assisti aos vossos shows e ainda sinto muita falta. Saí de casa com aquela saudade que me roía a mente. Chamo-me Dylon Ventura
Fiquei um segundo no silêncio, esperando que alguma voz saísse como resposta. Mas a resposta tardava chegar e eu, mesmo assim, não desisti. Continuei a limpar aquelas campas, com autorização, claro, da minha bondade e do meu coração que ficava mole em saber que estava bem perto dos cantores que, para mim, foram os melhores no meu país.
Já a terminar de limpar a campa do senhor Carlos, ouvia alguém a chorar bem próximo ao meu ouvido, mas quando olhasse nos lados não via absolutamente ninguém. Só depois me apercebi, quando tirou as suas primeiras palavras:
– Oi, Dylon! Aqui Zaida Chongo. Antes que fales alguma coisa, gostaria tanto que soubesses de nós o quão estamos felizes por cá estares, para nos visitar.
Não acreditei quando ouvi aquela voz que me fazia lembrar de “drenagem, zabelane, sibo, toma que te dou…”. E ainda acrescentou: de certeza que estás assustado, pois não tem sido muito comum ouvir a voz de um morto. O meu marido também tem alguma coisa por te dizer:
– Alô, Dylon.
Era, sim, aquela voz do senhor Carlos, um pouco roca, que me fazia lembrar também dos seus êxitos. Todas aquelas músicas que escutei graças às cassetes que meu falecido pai comprava.
Senti-me muito feliz, mas também um pouco assustado. Continuou a falar o senhor Carlos que não se cansava de reclamar. Olha, Dylon, com todo respeito, primeiro queremos agradecer pela tua visita. Nunca antes tínhamos recebido cá alguém que não fosse o nosso familiar. O país que tanto fizemos pela cultura, num tempo que gravar músicas e vídeos não era coisa fácil, deveria fazer mais por nós.
Gostaríamos que fôssemos recordados da melhor forma possível, que a cada ano houvesse um tributo para todos nós que não estamos em vida, mas que demos muito pelo país. Não vamos dizer aqui os nomes. Somos muitos que não estamos aí convosco, mas com certeza dançaram todas as nossas músicas. Até as Rádios dificilmente passa as nossas músicas…das televisões nem quero falar. Não sei se percebes.
Percebo, sim. E acrescentamos mais: informa os responsáveis, que não vou dizer quem são, tu os conheces, para valorizarem os artistas enquanto ainda estiverem em vida, porque se não o fizerem com certeza que serão esquecidos como nós. São poucas pessoas que se recordam de nós. Mas se houvesse alguma coisa que fizessem por nós, estaríamos até na memória das próximas gerações. Percebes?
Sim, percebo. Então, faz isso! E muito obrigado por nos ter visitado! Agradecemos com todo o nosso coração. De nada! Na verdade, estava com muitas saudades vossas e, às vezes, na tentativa de matar essas saudades, coloco no meu aparelho as vossas músicas. São músicas para toda a vida. Muito obrigado! Então, Dylon, nós já vamos. Foi um prazer. O prazer foi todo meu.
Dylon? Sim! Era a senhora Zaida que chamava o meu nome para poder se despedir de mim: “a va vassati va ma mecha, ungue va heti wena…”
Coloquei-me a rir, até com vontade de poder reagir a sua “provocação”, com sabor à conselho, mas já era tarde. E assim se despedia de mim, deixando-me a rir, naquela manhã, sem parar. Mas senhora Zaida, pa…risos!