Resgate: O filme e as suas estórias

Por: Johnson Pedro
O filme
Resgate-Quando o passado bate a porta, é o nome do filme 100% moçambicano ou de produção independente lançado em Julho (2019) pela Mahla Films, que conta história do Bruno.
Bruno saiu da cadeia depois de quatro anos, e como qualquer outro indivíduo que de lá sai consciente, Bruno quer tocar a vida para frente, ir ao futuro, arranjar um emprego e sustentar a família, e é através da sua tia, depois de bater as portas nas várias oficinas de Maputo, que consegue um como mecânico, única profissão em que se especializou.
E é na busca pelo sustento que num desses dias indo a luta, chega-lhe uns documentos informando que a sua mãe terá em vida, contrariado uma dívida de 30.000 dólares com o banco e caso não seja pago dentro de alguns dias, a casa será levada pelo Banco.
São 30.000 que a cota (mãe) terá emprestado na busca pela “cura” ou aliviar o câncer, uma dívida que até então era oculta ao Bruno até que a tia contasse e mostrasse os processos clínicos.
O Bruno tem um grande afecto pela casa e é o único local, tirando o cemitério que o leva a um encontro com a mãe em lembranças, e para ele não tem nexo banco levar a casa de “uma pessoa que está morta”, então é preciso tentar pagar a dívida, só que não há trabalho que possa pagar lhe esse valor ou 10.000 por mês. É aqui que o passado bate a porta, Bruno tenta não abrir, mas acaba cedendo e volta ao mundo do crime, contra vontade da esposa Mia, para tentar sair desse stress.
Um Resgate Cultural
O sonho de Pipas Forjaz e Mickey Fonseca (MAHLA FILMS) está claro e bem apresentado no filme RESGATE.
“Já não é hora de contar o que os outros vivem, é sim, hora de celebrar o nosso quotidiano e a nossa cultura”- Mickey Fonseca no Teatro Avenida (23/ 01 / 2020)
Cultura geral que somos convidados a degustar logo no início quando Bruno, sem sabermos que é o Bruno e mais tarde o “Mulla” (na voz do Laquino Fonseca), aparece saindo da cadeia, numa dessas estradas de terra batida, com a foto do Samora Moisés Machel estampada na t-shirt, um convite a relembrar a mantra do primeiro presidente de Moçambique “A luta continua”. Sim, é hora de o Bruno ir a luta ou reiniciar a luta após anos encarcerado na jail. Hora de reconstruir tudo, a família e o lado financeiro para o sustento.
E é no desenrolar da luta que o Changana não falta, da Tia do Bruno ao Américo. Não falta a gíria/calão moçambicano, é exemplo da expressão “Nice” que poucas vezes larga os lábios da Mia, que não é Couto, mas a mulher do Bruno, lá em Marracuene onde somos através da sua vivenda convidados a contemplar a beleza que são as curvas ou desvios do Rio Incomati.
Há muito fumo, é que o cigarro terá conquistado o Bruno na cadeia, e dele saca o stress da vida que é uma life. E aos que dizem que sem música não há life, há muita música e há voz do povo, é o Azagaia que através do “Cães de Raça” (faixa 2 do álbum Cubaliwa) adjectiva o Bruno que é nada mais, nada menos que um mulato sem bandeira e condenado a ser mecânico.
Aos amantes da cerveja, não há 2M e nem Laurentina Preta, o filme serve de apresentação ou espaço publicitário para a cerveja, Tseke, do músico moçambicano e um dos pioneiro do estilo musical Pandza, Ziqo da Silva, ao que a prior passa despercebido e mais tarde já com uma dada visibilidade, leva a uma curiosidade sobre a presença e o sabor que o mesmo carrega.
O Sonho e as dores de cabeça
Resgate transcende todos padrões de produção cinematográfica, não há América, Ásia, Europa e talvez não há Africa. É que ali não há um final feliz ao qual fomos acostumados, estão todos desgraçados, desde ao Boss e o Artista, do passado que bate a porta, a sua vinda leva “tudo”, morrem quase todos, a Mia, o mandante dos crimes, bradas do Bruno no crime e até a casa que o Bruno buscou pagar no fim é incendiada. Fica o Bruno e a filha com a malinha do tako conseguido do sequestro do pai do mandante dos crimes, mas, é quando a mesma é aberta pelo Bruno que descobrimos ao lado do mesmo que não há dólar nenhum na maleta, senão uma papelada sem valor.
E não há espaço a um, Resgate 2, para que haja um final feliz. Mickey Fonseca e Pipas Forjaz (Mahla Films) não querem resgatar o passado do que foi a realização da sua primeira longa-metragem, foram mais de cinco anos tentando concretizar o sonho. Houve uma espécie de angariação de fundos que deu no que deu, mas a equipa teve que recorrer a produção de publicidades e coleccionar os valores para o filme. E poucas vezes a temperatura esteve em sintonia com o sonho, nos dias que precisavam de sol, a chuva caia e vice-versa, e nesse processo o filme passou por várias transformações até a entrega do produto final ao povo.
“Trabalhamos duro e conseguimos com o nosso dinheiro e nosso equipamento ”- Pipas Forjaz no jornal português, Público (08/ 08/ 2019)
A Crítica
Não há crítica possível ao Resgate, é um passo bem dado ao resgate da indústria cinematográfica em Moçambique, de outros que também estão sendo dados por pessoas como o Licínio de Azevedo (dono do filme “Comboio de Sal & Açúcar”).
Resgate não é uma história inventada, é a realidade moçambicana transformada em “ficção”. Entre a onda dos assaltos às características sociais quando somos apresentados o mandante e os bandidos, a mistura do Monhé que é na sociedade moçambicana por várias vezes apresentado como mandante dos sequestros aos negros, como seus putos da bandidagem e que se caracterizam por ostentação ou show off, vivendo uma vida rápida, onde o dia seguinte importa quando há mais um trabalho a realizar. Esta é a realidade moçambicana em lentes.
As Indicações
Em menos de um ano, o filme conseguiu mais de cinco indicações no African Movie Academy Award para:
- Melhor Atriz Coadjuvante (Arlete Bombe);
- Melhor ator (Gil Alexandre);
- Melhor Fotografia;
- Melhor Director (Mickey Fonseca);
- Melhor Filme;
- Melhor Trilha Sonora;
- Melhor Som.