É já amanhã que fazes a última marcha

É já amanhã que fazes a última marcha

- in Crônica

Por: Sérgio Raimundo – Militar

Chegou a hora da tua última marcha, Azagaia. Se fosse mais um fim de um espectáculo, pousavas o microfone num tripé, agradecias a todos pela presença e descias do palco engolido por restos de luzes apagadas. Mas, amanhã é a tua última marcha e será o público, tropeçando em lágrimas, agradecendo-te pelo belíssimo espectáculo que durante toda a tua vida em nome do povo fizeste.

Se fosse mais um espectáculo terminando, íamos correr armados de canetas e papéis atrás do teu autógrafo, furar músculos de seguranças para uma fotografia, mas amanhã serão os lencinhos que correrão atrás das nossas pestanas recolhendo o insuportável autógrafo das lágrimas em nossos olhos.

E eu tenho a certeza que amanhã estarás presente no teu próprio funeral, Azagaia. Vais encaixar a tua voz debaixo do coro das nossas lágrimas, testar o microfone com a ponta da unha, pedir que se acerte o volume das nossas angústias e consolarás a família do falecido, pois tu estarás bem vivo no teu próprio funeral. E vais abrir o caixão para ver o falecido e verás que não és tu.

É já amanhã que fazes a última marcha, nosso mano. A última marcha de tantas que ainda farás. E penso, às vezes, que isso tudo é mais um daqueles teus ensaios para um espectáculo. Talvez isso tudo seja um pequeno ensaio para o teu verdadeiro funeral que nunca acontecerá.

Amanhã, quando estivermos todos de olhos fechados orando por ti, veja lá se te levantas devagarinho do caixão, faz um pequeno adeus como um passageiro à janela de um autocarro e diga-nos que em breve estás de volta. Um mínimo adeus já nos dava uma esperança de que regressavas em breve para, uma vez mais, sermos público dos teus espectáculos e não esse cortejo fúnebre da tua última marcha.

Chegou a hora da tua última marcha, Azagaia. Resta-nos, apenas, desde já, pensarmos o que diremos aos palcos, aos microfones, ao tripé vazio e aos ratos da corrupção que se reproduzem nos esgotos dos gabinetes, quando perguntarem por ti.

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